PAVIO
processos disparadores
de criação em dança
Ação da Artista-Orientadora Lara Dau Vieira no CEU Paraisópolis.


Dance para ser desenhado

Nos nossos dias, existem numerosos exemplos de culturas exageradamente rígidas ou exageradamente insensatas. As pequenas sociedades atrasadas, completamente dominadas por pesadíssimos tabus e costumes antigos, são exemplo das primeiras. Estas mesmas sociedades tornam-se rapidamente exemplos do segundo tipo, quando 'ajudadas' pelas civilizações avançadas.
O Impacto súbito de novidade social e de hesitação exploratória submerge as forças estabilizadoras da incitação ancestral e desequilibra a balança para o lado oposto.
Daí resultam confusão e desintegração social. Feliz seria a sociedade que adquirisse
gradativamente um equilíbrio perfeito entre imitação e a curiosidade, entre a
escravatura da aceitação cega de imitação e experimentação progressiva e racional.




Dentro deste contexto, a realidade social do CEU Paraisópolis, encrustado entre a sociedade alto padrão do Morumbi e a segunda cidade informal de 56.000 habitantes da metrópole de São Paulo, a favela Paraisópolis, me instigou como artista-orientadora do Programa Vocacional, muitas perguntas: Quem são seus freqüentadores? Como eles se apresentam? Quem são os interessados em desenvolver atividades artísticas, esportivas e intelectuais ali? Quem habita este espaço? E como?
Dentro de um universo desconhecido, a escolha foi mapear os freqüentadores do CEU, através de registros em desenhos unindo as linguagens da Dança e das Artes Plásticas. O interesse em desenhar corpos em movimento no espaço que o homem habita e transita.
A Intervenção/Instalação “Dance para ser Desenhado”, propõe um jogo de estímulos aos transeuntes/vocacionados instantâneos do CEU Paraisópolis. Eles são convidados a pausar/dançar, para a artista orientadora-desenhista, que registra o movimento de cada um, em traços rápidos em folhas de papel de seda. Os desenhos são apresentados aos dançantes, que podem deixar neles sua assinatura e alguma impressão do encontro.
A ação para os vocacionados instantâneos: “Dance para ser Desenhado”, propõe um diálogo silencioso com corpos de crianças da piscina, dos adolescentes que dançam pop, dos grupos da capoeira, do boxe, do hip hop, de copeiras, faxineiras, guardas, gestão, técnicos e coordenadoras da Cultura e da Educação. O grupo de teatro “Topeiras de Boina” é o grupo orientado pela artista.
Os desenhos dos vocacionados trazem diferentes corpos, diferentes texturas que falam a que vieram, são suas escolhas das poses e da gestualidade que deixam transparecer seu universo individual e coletivo. Como trabalhar com aqueles que transitam entre a imitação cega de uma sociedade fragilizada e a força da curiosidade de novas experimentações? Como dialogar com este contexto?
A Proposta da Instalação é reunir todos os desenhos, formando uma única caligrafia, coreografia, em painéis e caixas revestidas dos desenhos suspensas no BEC e na biblioteca do CEU, revelando diversidade de memórias corporais, rastros de expressões e uma busca silenciosa da artista orientadora. 59 vocacionados foram desenhados até 20 de julho de 2014. A intenção é desenhar até novembro de 2014 e deixar os desenhos já executados expostos para serem reconhecidos pelos retratados e pelos outros freqüentadores do CEU, trazendo a questão do pertencimento dentro deste espaço público.
Entre a imitação e a curiosidade, entre a fortuna e a pobreza construímos algo “entre” que nos faz refletir. O que temos que escutar de nós mesmos dentro sociedade contaminada por padrões e ilusões? Quais os nossos desejos? Na Biblioteca do CEU Paraisópolis, os desenhos ficaram expostos por quase dois meses e as crianças que ali passaram, colocaram olhos e bocas nos rostos dos desenhos, talvez seja esse um dos nossos anseios, “ter olhos para ver e bocas para falar”.
Morris, Desmond – “O Macaco Nu”. Editora Edibolso 1975.